3 de junho de 2008

"Quatro Paredes e Um Sonho"

Desastradamente a encontrar um lugar, sensibilidade do ser cristalino, água pura leva aos lábios carnudos mais sede, horizonte agoniado saboreia os últimos instantes de um momento desnecessário.

Fui filho sem pai… A montra das palavras constrói-me o livro, um lugar mais altivo, tesouro, as palavras que soltei ainda que quase desistindo.
O espelho vermelho saboreia este sangue que horizonte despido vai pintando com cores azuis de céu padecido.

Fui filho sem pai… Montanha movendo silêncios, sede de sorrisos, criança assaltando inadvertidamente retrato de infância onde quase fui gente.
Sou o herói que te salva da fogueira, maior pecado sentir, a vida em desgarrada mergulha em mim numa nostalgia incapaz, poema bate asas, nova morada o silêncio comedido dos teus braços.

Bola de cristal, plano gigante, observo para além do meu tempo onde me vejo, sentado ao lado de um pai, o pai que nunca tive!...

Horizonte agoniado perpétua nos braços seus a imagem fictícia com que me recordei…
As palavras enfeitam esta miragem, quando olho para os lados não vejo nada, os cotovelos do rio levam as lágrimas, choradas e sentidas, procurando um anjo qualquer.

Sou ser navegante nas ondas do vento, tão-somente me derrotaram as ilusões e as fantasias, os sentimentos, brotam de mim como braços carentes, alimento, a paisagem que se desnuda enquanto observo.

Fica-me a calçada, rua escura onde tantas vezes me deitei, agoniado o pequeno candeeiro enfeitiça a tela gigante, filme da vida, criei.

Senti-me tão inútil e só.

Sobrevoo a paisagem interior do meu corpo, espelho vermelho, meus olhos, tremuras, rosto pálido, o buraco escuro onde me atiro, não deixo nada de mim, sentido…

Abrigo, um lugar coerente, recado incisivo, golpe das mãos atiram-me ao chão, destruído… Criança, os pés sangram, caminho sem estrada, olhei, não vi, a noite escura é onde me retiro, meu lugar… O fim do mundo, castigo.

Fui filho sem pai… Tantas vezes adormecido, acordar o sol reflectindo, braços quentes, pareciam raios de luz distantes, as palavras meu único universo capaz.
A cela, palpitação, as palavras habitam em mim, vivo decorando quatro paredes, mudo, surdo, sugam da alma pura o que resta de decência, farrapo, não sou nada, pedaço humano derrotado, carne, alimento do ódio, sou pobre…

A floresta de fogo, meu ultimo sonho, mãos enfeitiçadas, meu ultimo pecado, atravessar o espelho vermelho, que é minha alma castigada, a boca selada, os olhos apáticos prisioneiros do sono, o sono profundo, sonhos prisioneiros do pesadelo são o que restava…

Meu grito sem voz! Que fiz eu?

Fui filho sem pai… Fui criança, vivi sonhos, brinquei desde cedo com palavras, ficou-me naufrágio, solidão e carência…

Mas sou carne! Sou carne humana que alimenta as paredes deste cerco, minha morada…
A depressão, as linhas que vou marcando, caderno diário, vivi esgotado, surrealismo, incompleto, onde foste?

Meu pai…

A solidão senta-se à mesa devorando sentimentos, tristeza, bebe o meu sangue, minha alma, sobremesa, edificam-se incertezas, as paredes observam cada gesto, sonho reflectido, quanto resta… Levaram-me tudo!...

A um canto, o feto, as palavras procriaram dando lugar ao universo…

Sou um monstro!

Sangue do meu sangue, sou pai, do universo tamanho que incertezas revelaram, espírito, estas palavras são minhas…

Fui filho sem pai… Com tanto para contar, com tanto para dar.
Consumiram-me, devoraram-me, desprezaram-me, espezinharam-me…
Dei tudo, não restou mais nada.

Complexidade depressiva, os dedos ao ar imploram clemência, juízas, palavras atiram-me à cela dessa vida, tribunal dos justos, o sonho de criança não passa de pesadelo viajando nas mãos do verbo. O verbo onde nasci, castiguei com sede humana, tela, cortina desta existência, pintei percursos, a solidão senta-se à mesa, dialoga com o ódio, conspiram contra mim…

Ou contra o mundo?

Silenciosa, um pouco de ânsia é entornada nos copos ilusórios, bebem-se os recados com que enfeitei as palavras, a palavra é arma mortal, a mesa, um corpo nu, violado.

No meu cubículo, observo, encobrindo o corpo com cobertores de paixão, sorrindo maleficamente, qual louco saído do hospício.
Palavra de fome mastiga o ódio, ansiosamente, sou ilusão semblante observando significado gigante, poderoso, do que vivi…

Atravesso o espelho vermelho, corpo nu, virgem…
E, quando chego ao outro lado, só vejo fome! Só vejo dor!...

Calma…

Sou pai, sou pai, tenho amor, poderoso, para colmatar sofrimento e dor deste novo mundo.

Meu filho…
Paulo Themudo