1 de dezembro de 2007

Eu...

Olhos semicerrados, qual criança chegando agora a este mundo, levanto as persianas do dia para respirar o oxigénio da minha existência.
Contaminado pela aurora só, agarro o transpirar das janelas nuas, lavo a face, escudos protectores das palavras ditas que o sonho roubou.
Morte certa é o pesadelo, uns braços fartos de lutar, uns olhos fechados na escuridão que é a noite dominadora, que não me deixa amar.
Deixaste-me uma sombra… Um irrisório pedaço de ti consome agora o meu corpo, quase como uma sombra redundando o quarto iluminado, os lençóis amados e transpirados, entrega do meu ser nas tuas mãos revolve-me a certeza do mundo.
O sonho toma conta, o verbo deita-se nos teus lábios para fazer nascer a palavra , os olhos adormecem agora que a sombra do meu corpo se abraça ao teu corpo nu, não querendo ser sonho, nem pesadelo, encena-se nos céus este teatro, nas mãos de um qualquer anjo, quase nos sentimos divinos…
Olhos semiabertos, vou-me em correria endiabrada, respirar o sabor intenso do mar, nas mãos os grãos de areia, na sua palidez e inocência, peregrinam-me um caminho sentenciado, lugar das preces, a sombra só, tento desesperadamente manter-me acordado.
Acaba sonho! Acaba sonho medonho!
Na vontade de ser criança, levam-me para qualquer lado os braços do sol, não mais tenho frio, a paisagem desolada oferenda-me os cheiros, da minha natureza recolher dos sons, das vozes mudas, um lugar para os meus anseios.
Volto ao quarto, despido agora de silêncio, que voz altiva clama por mim, roubando sem pressas o verso que trago nas mãos, para dar lugar a alguma razão.
Sim, o verbo que se deitou nos teus lábios, os olhos que viajaram o mundo, o corpo nu que não sei se sonho, agora confundo.
Quantas mais estradas… Até onde vai a minha existência? Que eu não seria nada do que sou se não fossem os sonhos.
Contaminado pela noite supérflua, agarrado aos teus cabelos sinto-me voar, um pestanejar diz-me que deste mundo, razões mais significativas de poesia e sonho, serão sempre os meus pertences.
Aquele espelho brilha, brilha intensamente furtando a tua sombra, serias um anjo? Um anjo que acordei vindo das trevas?
Um raio de luz atravessa as paredes, sucumbindo logo depois na nudez do teu corpo, o espelho entrega imagens do tempo, o passado afoga-me os olhos, o corpo vibra à passagem do tempo… Um tempo que eu vivi, para sem sonhos, chegar aqui…
O verbo mistifica lugares, as palavras são fortes, bebi da saliva do mar, em céu aberto eu quis, eu quis voar.
Pergunto-me: Onde começa e acaba a minha existência?
Sou sombra, és sonho, pálido, remanescido de um lugar sem sol, nas garras dos teus olhos, ficam as sombras, não serei mais que um sonho, desorientado, despido de ti, sou homem, quero ser amado.
Olhos semicerrados, qual criança chegando agora a este mundo, levanto as persianas do dia para respirar o oxigénio da minha existência, sem saber, se realmente existo.

Paulo Themudo.

1 comentário:

Unknown disse...

Paulo obrigada pelo texto cheio de ritmo na cascata de vírgulas, frases filosóficas e sua estrutura com cabeça tronco e membro.
não sei a opinião dos outros mais entendidos em literatura mas, para mim, em todo o texto aconteceu uma leitura poética muito boa.

Abraço